Impostômetro

31 de outubro de 2013

“O Plano Nacional de Agroecologia é uma conquista, mas se a ANA o construísse seria muito mais ambicioso”, afirma Denis Monteiro


denis monteiroA avaliação da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA) é que o Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (Planapo), lançado pela Presidenta Dilma Rousseff no dia 17 de outubro, é positivo e representa uma conquista dos movimentos sociais do campo, embora esteja aquém das demandas das organizações e agricultores. Essa é a análise de Denis Monteiro, secretário executivo da ANA. Segundo ele, existem possibilidades significativas para o avanço da agroecologia no Brasil desde que haja uma participação ativa da sociedade e do governo para a execução das iniciativas e metas do plano.

Qual a avaliação dos movimentos em relação ao Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica que foi lançado e vai até 2015?
É uma grande conquista dos movimentos sociais do campo, e aqui vale destacar o protagonismo das mulheres e da Marcha das Margaridas. É uma oportunidade para aumentar e diversificar a produção agroecológica em todos os lugares do Brasil, envolvendo mais agricultores e agricultoras nas dinâmicas sociais de promoção da agroecologia. Não tivemos surpresas com o seu conteúdo, o Plano é muito próximo das últimas versões discutidas e apresentadas nas reuniões da Comissão Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (CNAPO). Foi interessante que o ato de lançamento contou com o anúncio de diversas iniciativas concretas previstas no plano, que já cobrávamos do governo há meses: a assinatura do acordo do Programa Ecoforte, de fortalecimento de redes de promoção da agroecologia, a Chamada de Assistência Técnica e Extensão Rural (Ater) para Agroecologia, outra para pescadores artesanais, a assinatura de um acordo do BNDES com a ASA (Articulação Semiárido Brasileiro) para a construção de tecnologias sociais de armazenamento de água para produção e estruturação de bancos comunitários de sementes.
Embora o lançamento tenha demorado alguns meses além do que esperávamos, foi feito com o anúncio de medidas concretas e isso é positivo. Foi a primeira vez que vimos uma Presidenta da República falando claramente em agroecologia, enfim o Estado brasileiro começa a reconhecer a agroecologia e seu potencial para a produção de alimentos saudáveis e conservação dos bens comuns, dando mais voz e espaço à cidadania e ao povo que aos interesses das grandes corporações, como disse a Presidenta Dilma por ocasião das manifestações de junho. Mas não é o plano dos nossos sonhos. Se nós da ANA construíssemos um plano ele seria muito mais ambicioso, teria mais recursos alocados e mais iniciativas. Mas é uma grande oportunidade para avançarmos na internalização do enfoque agroecológico nas instituições públicas de ensino, pesquisa e extensão e no fortalecimento das organizações da sociedade civil que historicamente trabalham com a promoção da agroecologia, mas para isso seguiremos cobrando do governo a revisão do marco legal que regula a relação entre o Estado e a Sociedade Civil no que diz respeito ao acesso a recursos públicos para o desenvolvimento, pois sem o protagonismo das organizações da sociedade civil, não se avança na promoção da agroecologia.
No processo de instituição da política e elaboração do plano, as organizações questionaram muito a ausência da reforma agrária na pauta.
Desde o decreto que institui a política, fizemos a crítica da ausência da reforma agrária e da garantia dos direitos territoriais das populações tradicionais. Achamos inadmissível que o governo federal fique refém do pacto de economia política que favorece as multinacionais do agronegócio e os latifúndios e interdita o debate sobre a necessidade da reforma agrária e da garantia dos direitos territoriais das populações tradicionais. Consideramos que foi importante o anúncio, durante o lançamento do Planapo, que até o final deste ano de 2013 serão editados cem decretos de desapropriação de grandes fazendas para fins de reforma agrária. Reivindicamos reiteradamente que sem a realização da reforma agrária não é possível avançar na agroecologia, embora a gente saiba que esses cem decretos estão muitíssimo aquém das demandas dos movimentos sociais e das necessidades históricas do campesinato. Consideramos de grande relevância política que esses decretos de desapropriação tenham sido anunciados junto com o plano de agroecologia, pois sinaliza que é preciso garantir terras para os agricultores familiares e as comunidades tradicionais se queremos avançar na promoção da agroecologia. A base social da agroecologia é a agricultura familiar, camponesa, e as populações tradicionais, que hoje estão ameaçados no contexto de avanço do agronegócio. Essas populações vêm sendo desterritorializadas, e o processo de reforma agrária continua praticamente parado. Tomara que esse anúncio tenha sido um movimento no sentido de recolocar na agenda política do Brasil a questão da reforma agrária, porque a agroecologia contribui com isso. Só vamos avançar com a agroecologia se tivermos uma reestruturação da propriedade da terra no Brasil, que hoje é extremamente concentrada. Isso é um limite estrutural, e precisa ser superado. Vamos cobrar do governo os decretos de desapropriações prometidos como se fossem metas do plano de agroecologia.
Como será o funcionamento do plano a partir do lançamento e a participação da sociedade nessa dinâmica, inclusive no controle social?
Na reunião da CNAPO que seguiu o lançamento do Plano foram instituídas algumas subcomissões temáticas e grupos de trabalho. Tem um grupo de trabalho previsto no plano para construir um Programa Nacional de Redução do Uso de Agrotóxicos, nossa expectativa é que ele seja formalizado e tenha uma participação ativa da sociedade civil e do governo para sua realização, pois a situação é dramática e um país que merece um plano de agroecologia não pode continuar com o título de campeão mundial no uso de agrotóxicos. Uma subcomissão formada foi sobre conhecimento, que será responsável por desenhar, implementar e monitorar as medidas relacionadas a Ater, a pesquisa e o ensino. A outra é sobre sementes, e vai trabalhar sobre a agenda da ampliação do trabalho de promoção das sementes crioulas e varietais para enfrentar esse processo de grave erosão genética e avanço dos transgênicos no Brasil. Há uma subcomissão sobre produção, fomento, crédito e agroindústria, que vai traçar as estratégias para redesenhar a política de crédito para a agricultura familiar, porque hoje o crédito tem sido um instrumento para atrelar a agricultura familiar às cadeias do agronegócio com a compra de insumos químicos e especialização da produção. Então esse crédito precisa ser redesenhado para que o financiamento público seja orientado para promover os sistemas agroecológicos. Também tem uma subcomissão sobre sociobiodiversidade que vai ser responsável por iniciativas relacionadas ao agroextrativismo, ao incentivo à produção e beneficiamento de plantas nativas, como a juçara, o açaí, a castanha, o pinhão, entre outros. Além dessas, há uma subcomissão de insumos, que vai tratar da agenda de regularização dos insumos para produção orgânica, pois o Estado tem sido ágil para liberar agrotóxicos, mas extremamente lento para registrar e liberar para comercialização produtos para produção orgânica. E a subcomissão temática de produção orgânica, que já existia. Foi criada também a subcomissão de gênero, os movimentos de mulheres vão ter uma atenção específica às ações e políticas para as mulheres, mas também vão participar das outras subcomissões para discutir como as iniciativas incorporam o incentivo à participação e protagonismo das mulheres.
Então foram instaladas essas subcomissões que vão fazer o desenho mais detalhado das iniciativas e um acompanhamento da execução do plano. Não adianta ter um plano com ações interessantes e guardadas na gaveta sem operacionalização. A Presidenta Dilma também deu o recado para os seus ministros e secretários responsáveis por tocar essa agenda, que as metas têm que ser executadas. Então vamos continuar cobrando. As metas tem que ser executadas com a participação ativa da sociedade civil, não há construção da agroecologia sem as organizações dos agricultores e sem fortalecer as organizações de assessoria que vêm construindo a agroecologia, algumas há trinta anos, muitas vezes sem o apoio do Estado. Agora que o Estado começa a reconhecer a agroecologia e desenha um plano nacional, esse protagonismo da sociedade civil não pode ser abandonado.
O plano também será objeto de debate e monitoramento em outros espaços de controle social, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CONDRAF) e o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (CONSEA), assim como nas comissões estaduais da produção orgânica.
Tem mais alguma questão em relação a esse lançamento que mereça destaque?
Uma questão que a Presidenta Dilma destacou em seu discurso é a importância do Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). O programa vem recebendo ataques pela grande mídia, e sofrendo até questionamentos do governo norte americano, e a ANA repudia essas tentativas de desqualificá-lo, já inclusive publicamos uma carta aberta assinada com mais de cem organizações. Esse programa é muito bem sucedido, e absolutamente estratégico para o plano de agroecologia, porque viabiliza fomenta a diversificação da produção da agricultura familiar e a comercialização com a compra pelo Estado para os programas públicos de promoção da segurança alimentar e nutricional. Atua inclusive na dinamização de redes territoriais de promoção do uso e conservação das sementes crioulas. A Presidenta deu o recado claro, em seu discurso, que o programa será mantido e fortalecido, o que é muito importante nesse contexto de uma ofensiva de quem não quer que o programa dê certo. Outro destaque é o programa Ecoforte de fortalecimento das redes de promoção da agroecologia, produção orgânica e extrativismo. Esse programa lançado junto com o Plano tem um papel fundamental. Sabemos que o sucesso do plano vai depender da nossa capacidade de mobilização e pressão, e para isso estaremos empenhados, sobretudo agora que estamos mobilizados na preparação do III Encontro Nacional de Agroecologia.

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